sábado, 19 de novembro de 2016

As velas ardem até o fim - Sándor Márai

Durante anos o silêncio foi o ator principal no cenário da vida dos personagens desta história, cercados de amor, ódio e incertezas viveram por anos angustiados à espera de um último encontro, que traria a tona lembranças de um tempo remoto, e a verdade. Se eu pudesse resumir esse livro em apenas uma palavra seria a amizade, pois entre todos os sentimentos que experimentamos é o que melhor compreendemos. Dois amigos que se conheceram na infância e ao longo de 20 anos construíram um relacionamento de cumplicidade envolto em segredos e sob um amor fraternal, dividindo descobertas, sonhos e o amor de uma mulher. Dois homens distintos que se completam, separam-se, por um longo período de 40 anos, Henrik ficou no castelo onde viveu por toda a vida enquanto Konrád regressou dos trópicos depois de uma vida inteira, de certo nada do que pudessem dizer um ao outro mudaria algo em suas vidas depois de tanto tempo, e já no fim de suas vidas a verdade poderia trazer paz e por um fim nas perguntas que nunca obtiveram respostas, porque suas próprias vidas jamais mudariam e durante o tempo que lhes restasse teriam que conviver um com o outro e nos caminhos que escolheram.

O livro nos traz uma reflexão sincera sobre os valores de uma amizade e sobre as escolhas que fazemos ao longo da vida, esse historia começa no século XIV e se estende ao século XX, mas todos os fatos e as formas como acontecem, são idênticas aos dias de hoje. Porem a diferença esta no olhar da sociedade, e sempre, esse olhares serão levados em conta, porque vivemos em sociedade e porque que sejamos indiferentes a opinião das outras pessoas, estamos sujeitos aos efeitos que nossas atitudes provocam no nosso meio. Talvez por essa razão a fug tenha sido a escolha mais fácil de Konrád e do mesmo modo Henrik tenha encontrado na solidão e no silêncio um abrigo e ao mesmo tempo uma maneira segura de conter a sua ira. Dois amigos que dividiram o amor de uma jovem e linda mulher, cujo nome ficou em suas mentes, sendo lembrado no silêncio, entre uma música e uma taça de vinho, ecoando no tempo e na saudade, na eterna saudade, Krisztina, quantas vezes roubaste noites de sono, quantas lagrimas não se formaram por razão da sua ausência, quais foram suas palavras e seus últimos pensamentos. Esse livro me envolveu desta forma porque em algum momento da minha vida eu também me perdi, em algum momento eu optei pelo caminho mais fácil e perdi a oportunidade de perdoar e ser perdoado. E, as palavras do general, em um trechos de Sándor Márai, nos falam da vida desta forma: “ Uma pessoa compreende o mundo pouco a pouco e depois morre. Compreende os fenômenos e a razão das ações humanas e depois morre”.
A versão do livro que lê foi uma tradução direto do Húngaro por Maria Mgdolna Demeter, a primeira edição é de outubro de 2001 e tive o privilégio de ganhar um exemplar da 16ª edição no ano de 2008, da editora Dom Quixote de Portugal, o que eu achei interessante e que a tradução do título do livro em Portugal, ficou bem mais próximo do original, “ A Gyertyák csonkig égnek” que no português de Portugal ficou “ As velas ardem até o fim. No Brasil o livro foi lançado pela Companhia das Letras no ano de 1999 com a tradução de Rosa Freire D’Aguiar intitulado “As Brasa”, como o idioma do autor é muito difícil, o mesmo permitiu que a tradução fosse feita do italiano para o Português, na Espanha o livro foi recebeu o nome de “El último encuentro” e nos Estados Unidos, “Embers”. Sándor Márai nasceu na cidade de Kassa uma pequena cidade da Hungria seu nome de batismo é Sándor Károly Henrik Grosschmid de Mára, filho de uma advogado e uma professora se tornou um dos maiores escritores da língua húngara, em 1928 foi viver em Krisztinaváros um pequeno bairro de Budapeste, e em 1948 abandonou definitivamente o seu país, passando por Suíça e Itália até que em 1952 se instalou  em Nova Iorque nos Estados unidos, onde posteriormente recebeu a sua nacionalidade. Sándor Márai se casou com Lola Matzner em 1923 e viveram casados por 62 anos e 3 meses, ate a morte da esposa, tiveram um filho biológico Kristof Márai que viver pouco mais de 1 mês e tiveram um outro filho adotivo János Márai que morreu aos 46 anos um ano após a morte da Mãe. Alguns anos depois, sozinho, viúvo, com câncer em estado avançado, quase cego e esquecido, Marai se suicidou em 21 de fevereiro de 1989 em sua casa em San Diego na Califórnia.
Um livro são fragmentos de vidas, mesmo que história nada tenha a ver com a vida do autor, outras vidas se identificam com os personagens criados pelo escritor, gostaria de citar alguns detalhes que me chamaram muita atenção nesta história, entre eles o nome do general Henrik que é o terceiro nome do autor, outro detalhe foi o nome da mulher que foi o centro da atenção de Henirk e Konrád, Krisztina é o início do nome do pequeno bairro que o autor viveu em Budapeste, Krisztinaváros. Uma outra curiosidade que pesquisei foi o significado do nome de Konrád, que é um nome alemão e significa “ conselheiro honesto. É claro que tudo pode ser apenas coincidência, mas esses fatos não deixam de estarem ligados por algum motivo ao autor. Essa história nos transporta a um universo magnifico, onde percebemos que as palavras por si só não revelam a verdade a nossa respeito, através delas ocultamos o que pensamos e mentimos sobre o que queremos ou fazemos.
“ Evitar se envolver ou experimentar os prazeres da vida para não correr os riscos que os mesmos nos reservam e não se entregar a vida é o mesmo que se privar do melhor que a condição humana nos permite, evoluirmos, crescermos, aprendermos e por que não mais.”
“ O que é que se pode perguntar das pessoas com  palavras? O que vale a resposta que uma pessoa dá com palavras e não com a realidade da sua vida? Vale pouco. São poucas as pessoas cujas palavras correspondem por completo a realidade das suas vidas. Talvez esse seja o fenômeno mais raro da vida.
Essas duas citações acima são trechos do livro de Sándor Márai que compartilho com vocês, sobre a história não quero acrescentar muito, mas sobre a impressão que tive do livro e o que ele causou em minha vida tenho a dizer que foi uma experiência impar que mostrou o quanto não estou preparado para as enfrentar as consequências de minhas escolhas, porque penso do dia inteiro em comemorar as minhas vitórias e no êxito de minhas ações, espero sempre um final feliz e carrego uma grande convicções acerca das coisas a meu redor, somos conhecedores da nossa própria intimidade e as vezes nem nos mesmos conhecemos, quanto às pessoas que nos cercam, devemos saber que seus corações são e sempre serão um universo desconhecido e por mais que a convivência nos faça acreditar somos conhecedores da verdade alheia, jamais o seremos, cada ser humano carrega dentro de si segredos e muitos destes segredos são enterrados no fim da vida junto com os corpos que os aprisionaram durante todo o longo tempo de existência. Fica a dica deste grande livro e desde grande homem que o escreveu e que por razões que desconhecemos se desfez da vida. 

Ricardo Barbosa
Pitaco Literário



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